- Bem, Maria, finalmente consigo conversar contigo.
- António se queria falar comigo assim tão urgentemente, podíamos ter marcado mais cedo.
- Não é assim tão urgente. Temos tempo. Mas é importante.
- Não me deixe a morrer de curiosidade!
- Prova este pão, é divino. Acho que nos podemos começar a tratar por tu, não concordas?
- Por mim, tudo bem. Como preferir.
- Prefiro que me trates por tu.
- Está bem. Diz lá, então, o que é importante mas não urgente para além do pão.
- É melhor contar-te antes que te liguem e sejas apanhada de surpresa. Fui contactado pela sede, que vai lançar um livro com os melhores restaurantes de Lisboa.
- E?
- E que por alguma razão tens mau feitio, mas continuas a trabalhar connosco. Querem que sejas tu a escrever sobre os restaurantes. Ou seja, querem que sejas tu a escrever o livro.
- Eu?
- Sim, Maria. Tu. A ideia é ser um livro sobre restaurantes, em que cada restaurante disponibiliza a sua receita mais famosa. E vai ter também a colaboração de um enólogo, que vai recomendar um vinho para cada receita.
- Mas isso é excelente!
- Vai ser óptimo. Mas há condições. Vão propor-te exclusividade. Connosco.
- Exclusividade?
- Sim. Deixas de trabalhar como free-lancer e passas a trabalhar em exclusivo para nós.
- Mas porquê a promoção? Há um “mas”?
- Não sei, diz-me tu. Na próxima segunda-feira tens uma reunião comigo e com os directores da sede. Vamos mostrar-te o contrato e as nossas propostas. Tens o fim de semana para pensar nisso.
Quase pronta para sair de casa, ando de um lado para o outro entre o quarto e o closet a escolher sapatos e brincos. Oiço o telefone e vejo que é a Inês.
- Bruxa! Então?
- Maria, querida. Desculpa, mas estamos 10 minutos atrasados. A mesa está reservada em teu nome, por isso quando chegares é só sentar. E vê o que te parece bom.
- Ok. Sem problema. Até já!
Sempre a mil, esta Inês. Finalmente opto pelos brincos do costume e decido que me maquilho no caminho. Estou em pulgas para sair de casa. Pego no telefone, no bloco de apontamentos e na bolsa de maquilhagem e enfio tudo dentro da mala. Ao sair, olho de novo para o caderno que comprei no início da semana. Depois, penso, preocupo-me contigo. Hoje apetece-me mesmo é apreciar a companhia dos meus amigos e beber uns Mai-Tai.
Nos semáforos vou pondo lápis de olhos, máscara e gloss. Chego ao restaurante, como sempre, com 5 minutos de antecedência. Sou meticulosamente pontual e chego sempre mais cedo. Ainda tenho pela frente pelo menos 20 minutos de espera, que os 10 minutos da Inês e do João são sempre mais longos.
Uma senhora muito simpática recebe-me no lounge do restaurante e digo-lhe o meu nome. Ela pergunta-me se não prefiro tomar alguma coisa antes, no bar. Sim, claro, vou já começar a aquecer. Sento-me nos sofás do lounge bar, bastante parecidos com os meus. E lembro-me do caderno em cima da chaise-longue. Tenho de o mudar de sítio, senão qualquer dia não me consigo sentar no meu cantinho.
À porta aparece o Ricardo, sempre bem-disposto.
- Olá Maria! Estás sozinha?
- A Inês e o João estão atrasados, como sempre! E eu cheguei mais cedo, como é costume.
- O que é que estás a beber? Tem muito bom aspecto.
- Mai-Tai. É óptimo. Queres?
- Quero. Deixa-me provar.
- Então e como vai o emprego novo? Tudo bem? E a mudança para a casa nova? Se precisares de ajuda tu diz, que a malta pede umas pizzas, compra umas cervejitas e vai tudo para tua casa.
- Em princípio mudo no fim do mês. o emprego novo é fixe. Estou a gostar. E tu? novidades?
- Nada de mais. Trabalho e mais trabalho. Tive uma proposta interessante hoje. Fiquei de pensar no fim de semana.
- E é boa?
- É. Mas tenho de ver se me compensa. Estou inclinada para o sim. Bem, vou ligar à Sofia, que também deve estar atrasada.
Procuro o telefone no fundo da mala e vejo que tenho uma mensagem escrita do Miguel Esteves.
“Amanhã. Não te esqueças. Beijo :)”
Não pude deixar de sorrir.
- Está, Sofia? Então? Onde andas?
- Ai, querida, desculpa. Eu e o Manel estamos atrasados. Mais 10 minutos, sim? Estás sozinha?
- Não, felizmente o Ricardo também veio mais cedo.
- Ok. Então até já.
Volto a ver a mensagem do Miguel. Mas eu não me ia esquecer. Porquê a insistência?
- Bem, Ricardo, hoje atrasou-se tudo. Acho que nos podemos ir sentar e começar a escolher. Vou só fumar mais um cigarro.
- António se queria falar comigo assim tão urgentemente, podíamos ter marcado mais cedo.
- Não é assim tão urgente. Temos tempo. Mas é importante.
- Não me deixe a morrer de curiosidade!
- Prova este pão, é divino. Acho que nos podemos começar a tratar por tu, não concordas?
- Por mim, tudo bem. Como preferir.
- Prefiro que me trates por tu.
- Está bem. Diz lá, então, o que é importante mas não urgente para além do pão.
- É melhor contar-te antes que te liguem e sejas apanhada de surpresa. Fui contactado pela sede, que vai lançar um livro com os melhores restaurantes de Lisboa.
- E?
- E que por alguma razão tens mau feitio, mas continuas a trabalhar connosco. Querem que sejas tu a escrever sobre os restaurantes. Ou seja, querem que sejas tu a escrever o livro.
- Eu?
- Sim, Maria. Tu. A ideia é ser um livro sobre restaurantes, em que cada restaurante disponibiliza a sua receita mais famosa. E vai ter também a colaboração de um enólogo, que vai recomendar um vinho para cada receita.
- Mas isso é excelente!
- Vai ser óptimo. Mas há condições. Vão propor-te exclusividade. Connosco.
- Exclusividade?
- Sim. Deixas de trabalhar como free-lancer e passas a trabalhar em exclusivo para nós.
- Mas porquê a promoção? Há um “mas”?
- Não sei, diz-me tu. Na próxima segunda-feira tens uma reunião comigo e com os directores da sede. Vamos mostrar-te o contrato e as nossas propostas. Tens o fim de semana para pensar nisso.
Quase pronta para sair de casa, ando de um lado para o outro entre o quarto e o closet a escolher sapatos e brincos. Oiço o telefone e vejo que é a Inês.
- Bruxa! Então?
- Maria, querida. Desculpa, mas estamos 10 minutos atrasados. A mesa está reservada em teu nome, por isso quando chegares é só sentar. E vê o que te parece bom.
- Ok. Sem problema. Até já!
Sempre a mil, esta Inês. Finalmente opto pelos brincos do costume e decido que me maquilho no caminho. Estou em pulgas para sair de casa. Pego no telefone, no bloco de apontamentos e na bolsa de maquilhagem e enfio tudo dentro da mala. Ao sair, olho de novo para o caderno que comprei no início da semana. Depois, penso, preocupo-me contigo. Hoje apetece-me mesmo é apreciar a companhia dos meus amigos e beber uns Mai-Tai.
Nos semáforos vou pondo lápis de olhos, máscara e gloss. Chego ao restaurante, como sempre, com 5 minutos de antecedência. Sou meticulosamente pontual e chego sempre mais cedo. Ainda tenho pela frente pelo menos 20 minutos de espera, que os 10 minutos da Inês e do João são sempre mais longos.
Uma senhora muito simpática recebe-me no lounge do restaurante e digo-lhe o meu nome. Ela pergunta-me se não prefiro tomar alguma coisa antes, no bar. Sim, claro, vou já começar a aquecer. Sento-me nos sofás do lounge bar, bastante parecidos com os meus. E lembro-me do caderno em cima da chaise-longue. Tenho de o mudar de sítio, senão qualquer dia não me consigo sentar no meu cantinho.
À porta aparece o Ricardo, sempre bem-disposto.
- Olá Maria! Estás sozinha?
- A Inês e o João estão atrasados, como sempre! E eu cheguei mais cedo, como é costume.
- O que é que estás a beber? Tem muito bom aspecto.
- Mai-Tai. É óptimo. Queres?
- Quero. Deixa-me provar.
- Então e como vai o emprego novo? Tudo bem? E a mudança para a casa nova? Se precisares de ajuda tu diz, que a malta pede umas pizzas, compra umas cervejitas e vai tudo para tua casa.
- Em princípio mudo no fim do mês. o emprego novo é fixe. Estou a gostar. E tu? novidades?
- Nada de mais. Trabalho e mais trabalho. Tive uma proposta interessante hoje. Fiquei de pensar no fim de semana.
- E é boa?
- É. Mas tenho de ver se me compensa. Estou inclinada para o sim. Bem, vou ligar à Sofia, que também deve estar atrasada.
Procuro o telefone no fundo da mala e vejo que tenho uma mensagem escrita do Miguel Esteves.
“Amanhã. Não te esqueças. Beijo :)”
Não pude deixar de sorrir.
- Está, Sofia? Então? Onde andas?
- Ai, querida, desculpa. Eu e o Manel estamos atrasados. Mais 10 minutos, sim? Estás sozinha?
- Não, felizmente o Ricardo também veio mais cedo.
- Ok. Então até já.
Volto a ver a mensagem do Miguel. Mas eu não me ia esquecer. Porquê a insistência?
- Bem, Ricardo, hoje atrasou-se tudo. Acho que nos podemos ir sentar e começar a escolher. Vou só fumar mais um cigarro.
- Olá, olá! Desculpem o atraso! Estás bem, querida? Querias contar-me alguma coisa? Já aqui estão há muito tempo?
- Olá! Já falamos.
As perguntas incessantes da Inês, àquela velocidade que lhe é característica, às vezes deixam-me zonza. E normalmente quem anda a mil sou eu. Mas não ao fim de semana… O João vem na minha direcção, com um olhar malicioso e aposto que sei o que me vai perguntar.
- Olá miúda! Então, chegaste ao mesmo tempo que o Ricardo? Vieram juntos? - (piscar de olhos…).
- Não, João, não viemos juntos. E chega dessa conversa, que já me estás a chatear!
- Mau-feitio!
Pronto, já respondi mal ao namorado da Inês. Vou ter de lhe pedir desculpa.
Finalmente, chegam a Sofia e o Manel.
O jantar foi animadíssimo e saímos todos muito bem dispostos. Só eu estava relutante em ir para casa. Ultimamente, a ideia de adormecer deixa-me angustiada. Talvez por causa do pesadelo que assombra constantemente as minhas noites. Enquanto caminho até ao carro, penso nas coisas que tenho de fazer amanhã. Nada de mais. A não ser, claro, a saída à noite com os Miguéis.
Entro em casa e a primeira coisa que faço é mudar o caderno de lugar. Sinto vontade de escrever nele, mas tenho os pensamentos desorganizados. Oiço o aviso de mensagem escrita no telefone. É a Sofia.
“Gostámos muito do jantar. Mas achei-te tensa agora no fim… estás bem?”
Respondo que sim. E estou. Mas alguma coisa me deixa inquieta e não percebo bem o que.
Ligo o computador e escrevo de uma assentada a crónica da próxima semana. Sobre o novo restaurante onde fui hoje.
Já passa das 3 da manhã quando, exausta, me deito na cama. Adormeço quase imediatamente.
Por mais que corra, sinto que não vou conseguir escapar. Eu fujo, mas estou quase a ser apanhada por aquilo de que tenho medo. Estou aterrorizada e não tenho coragem de olhar para trás. Estou quase a ser apanhada. É agora. Vai tocar-me. Grito de desespero e medo.
Acordei a gritar. Em pânico, sento-me na cama e tento pensar que é só um pesadelo, que não está a acontecer. Mas não consigo. Estou a tremer de medo e a chorar. Está aqui, pensei eu. Está no meu quarto.
Uns segundos mais tarde, consigo finalmente acalmar-me e levanto-me para ir a casa de banho. Vejo-me ao espelho e percebo que tenho os olhos esbugalhados. Mas o que será que me mete tanto medo. Não consigo lembrar-me de quase nada, mas acordo assim, com terror de alguma coisa da qual fujo.
Tenho medo de noite, agora. Parece que já dormi demais e ainda só são 5 da manhã. Falta tanto para amanhecer… queria que a noite acabasse depressa para não ter mais pesadelos. Deito-me de novo, e ao fim de algum tempo adormeço, emocionalmente esgotada.
Mais uma vez sou acordada pelo telefone, mas cancelo a chamada sem ver quem é. O meu telefona toca incessantemente todo o dia, todos os dias. Levanto-me e arrasto-me para o duche a pensar nas compras que preciso de fazer. Quando acabo de me arranjar o telefone toca de novo.
- Maria, toca a levantar! Tenho uma coisa gira para fazermos hoje. Vamos passear. Eu, o João e tu!
- Onde?
- A Sintra! Vamos comer uns bolinhos e ver museus. Às duas em minha casa!
- Está bem. Mas não quero vir tarde porque tenho coisas combinadas à noite.
- Com quem?
- Oh Inês! Disse-te ontem. Vou encontrar-me com os Miguéis, o Esteves e o Santos. Aqueles meus colegas de curso.
- Já me lembro. Bem, mas não te preocupes porque nós também temos um jantar em casa de uns amigos do João e também tenho coisas a fazer antes de ir. Quero levar uma sobremesa e umas entradas.
A Inês e as coisinhas caseiras dela. Tem um ar maternal e gosta de fazer estes mimos às pessoas. Tenho a sensação que nasceu para o papel de esposa e mãe dedicada. E não vê, secretamente, a hora desse dia chegar.Enquanto me arranjava, lembrei-me, sem perceber por que processo mental, do Gonçalo. Um episódio que ajuda ainda mais à minha dificuldade em compreender desaparecimentos.
4 comentários:
Sim. Já me ocorreu, numa manhã clara de Sol que talvez já tivesse sido tua mãe.
Quem sabe? Eu gostava!
Voltarei para ler melhor este teu trabalho.
Vinha dizer-te se podias passar pelo "Beja". As crianças agradecem.
Bom fim de semana.
Beijos
Continua excelente;)
Duas pequenas correcções:
"(...)apanhada por aquilo de te (que) tenho medo."
"Já aqui estão à (há) muito tempo?"
Bjs,
L.
[Pai] Isso quer dizer que seriamos casados?
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