Gostava de os ver agora, aqui no meio de nós. Os teóricos das sociedades complexas e com modos alternativos de organização da sociedade. Aqui?
Será que nos preparam para viver na selva? Onde não há verde, não há peixe por galinha, onde a civilização dominou a natureza. Mas que grandes aventureiros, sim senhor. Os homens das viagens que achavam que alguém que usa pedras como moeda de troca é selvagem.
Seriam assim tão iluminados que fugiram da vossa para viverem com selvagens sem televisão. Fizeram bem. Mas eles estavam bem sem nós. Antes de nós sentirmos que estávamos bem sem eles.
A nós, deviam-nos ter dito que um dia iríamos viver numa sociedade em que as pessoas são formatadas e estúpidas ao ponto de se deixarem manipular por idiotas que têm, requintados, a distinta lata de gozarem com a carneirada. Pessoas a quem nem o humor desperta a vontade de se questionarem.
Se ao menos houvesse uma centelha de reconhecimento quando alguns gritam “estão a gozar convosco!”. Ou pintam. Ou cantam. Ou filmam. Ou miam.
São ocos. Fúteis. Muito perigosos na sua ignorância devota. Acreditam na árvore das patacas, mas chocam-se se alguém furar corpo doze vezes porque acredita na superação da dor ou por outra razão qualquer. Acompanham as novelas das oito, das nove e das onze. As das oito então são verdadeiros reality shows, em que podemos observar animais iguais a nós, o que nos choca. Mas no dia seguinte é dia de revista cor de rosa com pulseirinha do craque que anda com a loira de silicone ou com a morena que não deve ter família que se preocupe em mantê-la numa instituição clínica. E portanto, o choque passa depressa, desde que estejamos entretidos com ficções e realidades que nos distraiam da realidade em que vivemos. E cada um escolhe a sua. Há quem acredite no Arco-Íris e em Fadas. Há quem reze a mortos. Há os que acreditam no Apocalipse e os que prometem Salvação em troca de moedas. Há os que não falem mas exprimem-se com a Arte. Há os que não permitem o preservativo porque não gostam de usar a borrachinha com crianças. Há crianças a passar fome num país, porque os pais dessas crianças mataram pais de crianças a passar fome noutro mundo. Há os que têm fome há mais tempo e agora é tudo deles porque lhes abrem as portas. Há os que querem fugir e saem de uma miséria para outra. Espalhou-se como uma doença e as doenças espalharam-se porque os que nos curam inventam venenos para nos destruírem. A autoridade perde autoridade e o pânico instala-se porque os que não tinham nada querem tudo e os que têm tudo não querem perder nada. Os que tinham o suficiente deixam de ter e os que tinham muito aliam-se e têm tudo, mas vão perder para quem nunca teve nada e não tem nada a perder. E um destes dias, nostálgicos de Abril ou Outubro, os capitães de exército nenhum abrem fogo.
Escrevo para o filho que hoje não posso ter porque na neblina está o Sebastião, que come tudo. É com tristeza que penso que a neblina esconde o pântano, onde o Mar Salgado nos vai engolir. E atrás do Sebastião vamos, a caminho do afogamento. A morte por asfixia é rápida e silenciosa. Calados, deixamos que nos prendam.
Se tudo correr bem, da água nascerás.
Se não correr e um dia souberes que te escrevi com medo de veres o mundo, espero que o Mundo tenha mudado e que tenhamos construído um mundo justo para ti, para que na tua civilização sintas mais Bem que Mal. Escolhe Bem.
Cuspido no início do ano, data incógnita.
Sem comentários:
Enviar um comentário